Compartilhamento e Distribuição do Comum

De Indisciplinar
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Democratização

Não estamos discutindo democracia enquanto idéia pois estamos interessados mais numa ação processual que gere permita a transformação das idéias e a mutação constante das ações. Ou seja, um processo totalmente aberto, não controlado e não idealizado. A democracia no século XX pré supõe uma série de possibilidades pré-determinadas abertas a uma escolha do todo (idealizada). A democracia é, então, uma escolha entre opções limitadas, fechadas dentre o que já foi escolhido por uma parte do todo. Esta parte do todo é conhecida como representação. Existem diversas escalas de representação que procuram conectar interesses multiplos desde uma escala micro a uma escala macro. Geralmente se dá por votação a legitimação deste processo democrático idealizado. Neste processo democrático idealizado, tudo é preparado antecipadamente por um pequeno grupo que escolhe e define o que o todo vai poder escolher. Logo, o poder de escolha do todo é limitado por um pequeno grupo. Trata-se de um processo fechado e de mão única. Não há retrocesso, não é possivel erros, não é possível mudar as regras no meio do processo.

Se pensarmos em um processo democrático aberto, não idealizado, erros vão ocorrer, desvios de conduta, mudanças de regra e retrocesso nas decisões serão inevitáveis e constantes. Diante de um processo democrático idealizado, ou seja, controlado, isso parece primitivo, não evoluído. Um processo democrático aberto desta natureza, o micro se conecta ao macro diretamente e o processo de representação é eliminado. Se eliminamos a representação e a mediação e trabalhamos com uma conexão direta do macro com o micro, cortamos etapas e momentos de idealização, pré-elaboração e pré-definição das ações. O instante é valorizado e o processo de conexão micro macro é instantâneo. Logo não há como fechar, limitar, controlar idealizar o processo com os instrumentos e métodos de exercício da democracia do século XX. Acredito que, mesmo num processo democrático aberto e instatâneo, é possível fechar, limitar, controlar e idealizar as ações, mas tudo feito de um modo mais sutil e esperto. Esperto pela agilizadade e sensibilidade para intervir em tempo real no próprio processo e desencadear intantâneos que alteram o rumo das ações. Esperto por ser em tempo real reconhecendo que planos, projetos e planejamentos estratégicos não servem para nada pois no instante que estão idealizados já precisam ser modificados/atualizados. Nesta perspectiva, o que parece primitivo, é muito mais evoluído do que se percebe, mas de um jeito que pode ser tanto perverso quanto generoso.

É angustiante se colocar como arquiteto urbanista neste cenário dinâmico e instável onde a totalidade dos instrumentos e métodos tradicionais são insuficientes. Mas pensamos em uma possibilidade que, usando arquitetura e urbanismo como analogia, é abrir mão do instrumental tradicional focado na construção e criar instrumentos e métodos que consigam reverter, ou seja, construir reversivamente. Não se trata de um processo de desconstrução, pois este tem sua finalidade limitada ao processo de descarte e substituiçao. Trata-se de um processo de resignificar, adaptar, adequar, otimizar, etc.

Yona Friedman[1] discute o lugar do arquiteto e urbanista e elabora uma proposta inserido-o num processo que ele entende como democratizante. Friedman analisa a metodologia predominante e prática de intermediação profissional na relação usuário e hardware[2]. Para Friedman, arquitetura consiste numa série de operações simples que se inicia com o futuro usuário (ou cliente) do produto arquitetônico. Este cliente possui necessidades específicas que precisam ser traduzidas sensivelmente num hardware que supostamente atenderá todas as suas necessidades. O arquiteto e urbanista é uma interface essencial de comunicação enquanto não houver um idioma comum entre usuário, construtor, gestor público, empreiteiro, etc. Na prática, o desenvolvimento de um projeto para atender um cliente pode levar um longo tempo, meses, para que todas as necessidades possam ser compreendidas e incorporadas ao hardware projetado. Mas se há uma demanda grande de clientes, algo como 10.000 (dez mil), como é possível atender em menos de 5.000 anos? Logo, a profissão arrumou uma solução: a generalização da demanda. Ou seja, a redução, ou quase que a eliminação da coleta de informação do cliente no processo de construção do hardware. Arquitetos e urbanistas assumem desde então que é impossível encontrar soluções para cada usuário específico, logo, buscaram encontrar uma solução média para os futuros usuários. Friedman reconhece o empenho de arquitetos, urbanista e cientistas sociais que criaram técnicas para reconhecer e calcular necessidades médias individuais em um determinado lugar e/ou contexto social. Em outras palavras, necessidades específicas para um futuro usuário padrão. É fato que este processo que reduz o diálogo entre o usuário e o hadware causa ruídos na comunicação, que até então era o principal papel do arquiteto e urbanista. Deste modo, a insatisfação do usuário com o hardware é inevitável. Essa insatisfação é compreendida quando percebemos que o cliente médio (padrão) não existe. Logo, ao invés de satifazer um cliente que existe, satifazemos um que não existe.

Partindo desta hipótese, Friedman elabora o que ele chama de "processamento da informação: circuitos entre usuário e planejador". Neste cenário ele insere o arquiteto e urbanista num sistema de comunicação que permite a aproximação usuário-hardware e o que ele vem a considerar como democratização do processo de planejamento. Este sistema tem como premissas:

  1. autonomia do usuário;
  2. co-responsabilização do usuário no processo;
  3. formas de retroação do processo a qualquer momento;
  4. o arquiteto e urbanista deixa de ser o centro na relação usuário-hardware.

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Na proposta de Friedman, o futuro usuário encontra um repertório de arranjos (soluções possíveis) que seu modo de vida requer. O repertório, que é necessariamente limitado, deve ser apresentado de modo que ele possa entender. Para cada item do repertório temos um "alerta" que comunica de forma clara e compreensiva ao futuro usuário as vantagens e desvantagens da alternativa escolhida. Este sistema em loop e não em funil, que trabalha com feedback, num primeiro momento informa ao próprio indivíduo, mas num segundo momento, o loop pode se complexificar e informar a um grupo de indivíduos. Assim o feedback das alternativas escolhidas leva em consideração o todo de usuários e as vantagens e desvantagens são percebidas pelo todo.

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Friedman destaca que neste processoo intérprete já não se faz mais necessário. Os usuários já tem autonomia o suficiente para dialogar diretamente com o processo construtivo do hardware. O arquiteto e urbanista que a séculos sempre teve este papel foi eliminado do processo. O canal de comunicação passa a sr o próprio repertório, ou mais precisamente, o MAPEAMENTO utilizado no repertório. Este MAPEAMENTO precisa ser compreendido por todos os usuários, assim como o artesão que contrói o edifício. Friedman alerta que o arquiteto urbanista não foi excluído do processo, mas sim, o seu papel tradicional. Seu papel, seu novo lugar neste novo sistema é como construtor do repertório.

Compartilhamento e distribuição

Recursos urbanos

O compartilhamento de espaços urbanos (praças, ruas, parques, rios, nascentes, etc.), objetos (coisas, ferramentas e infraestrutura) e práticas cotidianas, entendido aqui como recursos urbanos, tem se mostrado uma alternativa necessária para instrumentalizar o planejamento urbano contemporâneo. Como consequência, imaginamos que o compartilhamento destes recursos poderia indiretamente promover uma redução do consumo, trazendo resultados positivos num equilíbrio entre demanda e consumo, conquistando sistematicamente um equilíbrio social e econômico. Grandes empresas de tecnologias de conexão como a CISCO, Siemens, IBM, etc. juntamente com a governança pública tem desenvolvido e implementado soluções eficientes e notáveis aplicadas à arquitetura e ao urbanismo. Já podemos enumerar uma série de experiências práticas e soluções já implementadas e em funcionamento em algumas cidades que tem sugerido uma nova prática de planejamento e gestão urbanos. Esta nova prática sugere uma tendência a se pensar a cidade como uma espécie de arquitetura da arquitetura, uma solução a nível de metadesign que agencia indivíduos e coisas: edifícios, infraestrutura pública, sistemas de transporte, informação, conhecimento, cultura, saberes populares, consumo, etc. conectando-os aos indivíduos numa relação sistêmica e dinâmica própria do ambiente urbano vivo. Este agenciamento é a base de uma infraestrutura leve que faz a distribuição dos recursos. Sem infraestrutura e política de distribuição de recursos, não há otimização ou até mesmo uso do que é ou pode ser compartilhado. Ao identificar esta tendência de atuação prática de grandes empresas que convergem seu conhecimento e se dispõe à apresentar “soluções para as cidades” , pretendemos nesta pesquisa nos inserir criticamente e ativamente nesta prática. Do ponto de vista polítco, percebe-se que as iniciativas empresariais, indentificadas, mesmo quando vinculadas ao poder público, visam à reprodução de bens privados e a otimização de recursos em prol do aumento de lucros. Ainda que com motivações ecosustentáveis em pano de fundo, a privatização de bens comuns tal como apontado por Hardt & Negri (2009) é intensificada pelas tecnologias de conexão e revestidas de euforia tecnológica apresentadas como única saída sustentável para o futuro do planeta. Percebe-se claramente que a privatização de bens comuns é potencializada neste processo francamente reconhecido como inovador pela sociedade e assimilado sem uma postura crítica e política cidadã. Portanto, esta pesquisa assume, entende criticamente e se instrumentaliza ativamente do potencial das tecnologias de conexão para discutir numa abordagem prática e cotidiana, técnicas, metodologias e políticas de empoderamento de práticas comunitárias, coletivas e cidadãs que livremente criam o bem comum contrapondo os recorrentes processos de privatização do comum.

Compartilhamento e distribuição

Soluções de compartilhamento e distribuição de recursos condicionadas por tecnologias de conexão. Processos formativos que possam politizá-las inserindo em práticas cotidianas em situações de demandas reais.

O compartilhamento e a distribuição é feita tendo como base a democratização e a sensibilização da informação. Em processo constante de retroalimentação/feedback, a informação é coletada, distribuída e após um processo de politização coletiva retorna para o sistema alimentando novos processos em idéias e ações coletivas. É objetivo desta ação focar em três áreas de planejamento metropolitano estratégicos; 1. agricultura urbana; 2. moradia/habitação de interesse social; 3. lazer Deste modo busca-se: • observar e analisar criticamente com que grau de engajamento do cidadão, consegue-se compartilhar recursos urbanos considerando limitações políticas, técnicas, econômicas e culturais; • identificar e mapear os bens comuns essenciais à vida do sistema urbano no que tange a agricultura urbana, a moradia e o lazer; • territorializar/espacializar idéias e ações coletivas na RMBH fomentando processos de discussão e laboração de políticas urbanas; • promover processos educativos junto às comunidades e movimentos sociais de capacitação para uso e domínio das tecnologias de conexão garantindo a autonomia dos indivíduos no desenvolvimento e gestão das ferramentas digitais.

Referências

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  1. FRIEDMAN, Yona. Toward a scientific architecture. MIT Press, Cambridge, USA. 1975.
  2. Friedman usa a palavra hardware para definir um produto arquitetônico ou urbanístico finalizado.