Categoria:ENANPUR2015
O Grupo de Pesquisa INDISCIPLINAR submeteu uma proposta de seção livre para o NANPUR 2015 com o tema Metrópole Biopolítica, Cartografias Emergentes e Urbanismo Tático. Proponente/coordenador: Professora Doutora Natacha Rena, Departamento ACR da Escola de Arquitetura da UFMG, NPGAU e líder do Grupo de Pesquisa INDISICIPLINAR do CNPQ.
Resumo da sessão livre
As políticas públicas neoliberais, impostas pelo Estado-capital sobre o território urbano, configuram evidências claras de como a cidade vem se tornando um palco de disputa territorial. Se a fábrica configurava o campo de exploração do trabalho até os anos 70, atualmente o Estado-capital extrai a mais-valia em todo o espaço. Em tempos de capitalismo cognitivo, no qual a tendência da produção cotidiana no mercado vem construindo redes de trabalho voltadas para setores criativos e sociais, as biopolíticas implementadas vão consolidando uma dinâmica de produção do espaço complexa, realizando processos de exclusão social em diversos níveis. Compreender estas as novas estratégias de políticas territoriais é fundamental para mapearmos os campos de luta mais importantes nas nossas cidades. O que está em disputa, a partir dos movimentos multitudinários detonados desde 1999 em Seatle, e que ganharam força no Brasil a partir de junho de 2013, é, principalmente, a metrópole. Segundo Hardt e Negri (2009), num texto intitulado Metrópoles, a metrópole é para a multidão o que a fábrica era para a classe operária industrial, o que poderia nos induzir a pensar nas metrópoles como territórios conectados nos quais as ações biopolíticas e de controle dos corpos e das espécies se dão com maior intensidade. Ao mesmo tempo, poderíamos pensa-las como o lugar no qual a biopolítica das resistências primeiras são também muito potentes.
O sistema capitalista global contemporâneo, que conecta indissociadamente Estados e empresas, pode ser também denominado de Império ou neoliberalismo. Diferente do capitalismo fordista, no qual a mais-valia era prioritariamente explorada via a força de trabalho nas fábricas, atualmente se dá via capital rentista em expansão dirigindo a exploração para todo o território metropolitano, dentro e fora das fábricas. A exploração atual passa pela captura dos desejos e neste sentido todo um sistema simbólico abduz a subjetividade e nos torna trabalhadores e consumidores obedientes, dentro de um sistema capitalista financeiro, assistimos ao surgimento de um novo homem: o homem endividado. Além de vermos configurar (via Estado-capital) a construção de sujeitos dóceis (próprios da sociedade disciplinar em que o controle incidia – e ainda incide – diretamente sobre os corpos), estamos imersos em práticas de controle mais sutis e flexíveis, uma tomada da subjetividade que nos torna controlados biopoliticamente. Para Hardt & Negri (2001), este sistema neoliberal que atua na lógica imperial em contraste com o imperialismo, não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas pois é um aparelho de descentralização e desterritorialização do geral “que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas e em expansão, já que o Império administra entidades híbridas, hierarquias flexíveis e permutas plurais por meio de estruturas de comando reguladoras.” (HARDT & NEGRI, 2001:12-15) Os autores afirmam que é na metrópole que as novas configurações de resistência se configuram com maior intensidade, e em tempos de produção biopolítica nas quais as forças produtivas que movem o capitalismo pós-fordista, trabalhando principalmente com ideias, afetos e comunicação, não estão mais simplesmente concentradas nas fábricas, mas sim espalhadas por todo terreno social urbano (HARDT & NEGRI, 2014). É preciso estar atento à tomada do Estado pelo capital, que agora atua de dentro dos processos políticos institucionais e por meio de mecanismos de gestão pública, gerando políticas e instrumentos urbanísticos que fazem parte, muitas vezes, do próprio Estatuto das Cidades. Estas lógicas encabeçam o eixo da gentrificação de grandes regiões, principalmente nos centros das cidades que já detêm meios de transporte e serviços abundantes. Segundo Pelbart (2011), o biopoder está ligado com a mudança fundamental na relação entre poder e vida. Na concepção de Foucault, o biopoder se interessa pela vida, pela produção, reprodução, controle e ordenamento de forças. A ele competem duas estratégias principais: a disciplina (que adestra o corpo e dociliza o indivíduo para otimizar suas forças) e a biopolítica (que entende o homem enquanto espécie e tenta gerir sua vida coletivamente). Nesse sentido, a vida passa a ser controlada de maneira integral, a partir da captura pelo poder, do próprio desejo do que dela se quer e se espera, e assim o conceito de biopoder se expande para o conceito de biopolítica.
Paralelamente, vivencia-se a crescente expansão das tecnologias digitais de comunicação e sua consequente integração às biopolíticas, como elementos codependentes e indissociáveis da dimensão físico-territorial. Marta Battistella (2013) reflete sobre o contraste entre o potencial globalizante e aparentemente desterritorializante da revolução informacional, e o caráter predominantemente local dessas plataformas digitais sociais, que almejam incentivar encontros e intervenções urbanas. A autora argumenta que, apesar desse avanço tecnológico apontar uma aparente tendência ao distanciamento do universo físico e da convivência face a face, torna-se possível presenciar o surgimento de uma série de iniciativas conectadas em rede que propõem, justamente, o resgate da experiência local do espaço. O uso crescente de telefones celulares conectados à internet proporciona às redes de comunicação um potencial de mobilidade até então inédito, expandindo suas oportunidades de aplicação na esfera territorial: “a internet móvel e o georreferenciamento, juntos, permitem algo antes impensável: a associação, em tempo real, da identidade digital com um espaço físico particular. Isso significa dar a essa identidade que era, até o momento, ubíqua, uma dimensão e uma localização” (DI SIENA: 2012).
Como processo de resistênncia biopolítica, os modo o ato de cartografar, mapear e distribuir nas redes digitais a informação de bens e de recursos que emergem na metrópole tem o potencial de revelar o comum destacado por Hardt e Negri (2009). A tendência ao compartilhamento sinaliza uma transformação dos padrões tradicionais de consumo, apontando para uma lógica a partir da qual ter acesso a serviços e a equipamentos específicos se torna mais importante do que possuí-los. As práticas desenvolvidas nessa categoria se conectam ao incentivo da economia solidária e à busca por um desenvolvimento urbano mais sustentável. A incorporação de camadas informacionais ao ambiente físico-construído, aos objetos e aos ambientes que compõem o espaço urbano por meio de sensores, controladores e atuadores conectados em rede, constituem-se novos níveis da organização espacial contemporânea, fundamentais ao funcionamento das metrópoles atuais. Essa fusão da tecnologia de comunicação com o território pode ser identificada também como computação ubiqua ou como realidade aumentada, sugerindo, como o próprio nome indica, recursos que atuam em conjunto à, mas não visando substituir, a dimensão material da cidade. Instrumentos semelhantes são amplamente explorados pelas propostas de smart cities, buscando maior eficiência para os serviços urbanos e para a sua administração. Contudo, a tecnologia das smart cities é quase que exclusivamente produzida pela iniciativa privada, vinculando o seu desenvolvimento prioritariamente a interesses neoliberais. Quando a informação em tempo real da metrópole é capturada e privatizada numa ação biopolítica, estas retornam para a metrópole como soluções inteligentes para as cidades que na verdade são mecanismos de controle da vida. Este processo abre caminho para se discutir tecnopolíticas que atuem sob a lógica de produção de conhecimento livre e da neutralidade das redes informacionais. Se tem como objetivo ações que se baseiem no livre intercâmbio de informação voltada à transformação espacial, tal como: métodos construtivos, projetos arquitetônicos, soluções para intervenções em situações de emergência, etc. Plataformas desse tipo ampliam e democratizam o acesso a uma produção em geral restrita a setores específicos da sociedade, oferecendo mecanismos de construção e de gestão do espaço a grupos sociais variados. A inteligência coletiva é estimulada a partir da criação conjunta, multiplicando o conhecimento sobre os assuntos abordados e fazendo surgir novas táticas e instrumentos de ação e de autogestão. Paralelamente, processos contemporâneos de ressignificação de espaços públicos, ou seja, iniciativas articuladas em rede que buscam dar novos significados ao território urbano a partir de intervenções temporárias, eventos organizados de forma colaborativa ou práticas que exploram a experiência sensível do espaço. Estas práticas também conhecidas como urbanismo tático, que podem ter características high ou low tech, desafiam os conceitos consolidados de espaço público predominantes nas metrópoles contemporâneas. Porfim, a metrópole biopolítica, as cartografias emergentes e o urbanismo tático serão discutidos e abordados em experiências concretas das 5 exposições desta sessão livre.
Referências
BATTISTELA, Marta. Digital Social Tools for the City; New Series: Social Toolbox. Ecosistema urbano, Madrid, 28 nov. 2013. Disponível em: <http://ecosistemaurbano.org/english/digital-social-tools-for-the- city-l-new-series-social-toolbox/>. Acesso em: 10 jan. 2014. DI SIENA, Domenico. Urbanismo emergente, ciudadanía y esfera digital. Urbano humano, 30 set. 2012. Disponível em: <http://urbanohumano.org/p2purbanism/urbanismo-emergente-ciudadania-y-esfera- digital/>. Acesso em: 10 jan. 2014. __________________. Tactical Urbanism. P2P foundation, 04 ago. 2014. Disponível em: <http:// blog.p2pfoundation.net/tactical-urbanism/2014/08/04>. Acesso em: 23 ago 2014. HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001. HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão. Rio de Janeiro: Record, 2005. HARDT, M., NEGRI, T; Commonwealth. El projecto de una revolución del común. Madrid: Akai, 2009. HARDT, M.; NEGRI, A. Declaração. Isto não é um manifesto. São Paulo, Editora n-1, 2014. PELBART, P. P. Vida capital. Ensaios de biopolítica. Ed. Iluminuras: São Paulo. 2003.
Índice dos títulos das exposições da sessão livre
Exposição 01: Urbanismo tático e a produção do comum na metrópole biopolítica
Ana Isabel ; Marcelo Maia ; Natacha Rena.
Exposição 02: Cartografias da cultura em BH
Ana Isabel de Sá; Paula Bruzzi Berquó; Fernanda Quintão; David Narvaez; Luiza Magalhães; Sarah de Matos; Natacha Rena.
Exposição 03: Mapeando o comum: uma cartografia tática configurando redes ativistas em defesa dos comum urbano
Pablo de Soto.
Exposição 04: Mapeando o comum na Grande Vitória: cartografias, teorias e o comum
Ana Paula Damásio; André Azoury; Bruno Vilas Novas; Caroline Costa; Clara Miranda; Gelso Vieira; Jessica Pesse; Lindomberto Ferreira; Lutero Pröscholdt; Marcos Gomes; Saulo Yamamoto.
Exposição 05: Táticas de infiltração, outros modos e meios de pensar e agir na cidade
Monique Marques Sanches; Mauríccio Leonard de Souza
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