Mudanças entre as edições de "Natureza Urbana e Tecnopolíticas Indisciplinares"

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  que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no mei.”  
 
  que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no mei.”  
 
  (Deleuze e Guattari, 1995, p. 48-49).
 
  (Deleuze e Guattari, 1995, p. 48-49).
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O rizoma é o processo de conhecimento da realidade sob forma não arborescente ⎯ busca das raízes profundas que fundamentam os fatos. O rizoma, ao contrário da árvore, dá-se desordenadamente, faz-se num crescimento horizontal e na superfície, proporcionando uma entrada na realidade, sem portas preestabelecidas. O rizoma não admite normas regulares e desenvolve-se de nó a nó, de tema a tema, de conceito a conceito, aleatoriamente. Traçar um percurso rizomático seria estar sempre entre e, assim, destituir o fundamento, a ontologia, anular o começo e o fim, desenvolver pensamentos como ervas na superfície, livres, adquirindo velocidade, conformando espaços lisos, não arborescentes.
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A crítica ao transcendente  ou ao invisível e ontológico, criada através do rizoma, é uma construção que combate o pensamento ocidental hierarquizado, com base na representação do mundo , e que separa o mundo real do mundo ideal ou representado e abstrato-arborizado. Segundo Deleuze e Guattari, a árvore dominou a realidade no ocidente “e todo o pensamento ocidental, da botânica à anatomia, mas também a gnesiologia, a teologia, toda a filosofia... o fundamento raiz, ground, roots e fundations” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 29).
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“Ser rizomorfo é produzir hastes e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda, que se conectam com elas
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penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e estranhos usos. Estamos cansados da árvore. Não devemos
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mais acreditar em árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda cultura arborescente é fundada sobre elas, da biologia
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à lingüística. [...] O pensamento não é arborescente, e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. [...] Muitas pessoas
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têm uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore.”
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(DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.25).

Edição das 11h33min de 8 de agosto de 2015

Este artigo apresenta o projeto “Natureza Urbana” desenvolvido do grupo de pesquisa do CNPq denominado “Indisciplinar/UFMG” que colabora com múltiplas ações junto aos movimentos sociais e ambientais em defesa da qualidade do meio ambiente urbano em Belo Horizonte. Este texto apresenta algumas ações que fazem parte da copesquisa cartográfica, envolvendo teoria e prática, desenvolvida neste projeto que está vinculado ao programa “IND.LAB _ Laboratório Nômade do Comum”. PALAVRAS-CHAVE: 1. tecnopolítica; 2. movimentos sociais e ambientais; 3. natureza urbana.

PALAVRAS-CHAVE: 1. tecnopolítica; 2. movimentos sociais e ambientais; 3. natureza urbana.

INTRODUÇÃO

Pretende-se aqui apresentar o projeto Natureza Urbana que desenvolve um conjunto de ações realizadas pelo Grupo de Pesquisa do CNPq - Indisciplinar/ UFMG - englobando ensino, pesquisa e extensão. Este grupo atua em relação direta com movimentos sociais, ambientais e culturais que lutam em defesa do meio ambiente urbano. Acredita-se que a metrópole é a nova fábrica e, portanto, é o lugar da produção das forças vivas expropriadas cotidianamente pelo sistema produtivo do capitalismo contemporâneo que atua intensamente na metrópole biopolítica. Expropria-se, tanto a produção em comum, coletiva e criativa, quanto os bens comuns urbanos, mais especificamente os bens comuns naturais (parques, praças e afins).

“Um imenso depósito de riqueza comum é a metrópole mesma. A formação das cidades modernas, tal como explicam 
os historiadores da cidade e da arquitetura, esteve intimamente vinculada ao desenvolvimento do capital industrial. A concentração 
geográfica dos trabalhadores, a proximidade dos recursos e de outras indústrias, dos sistemas de comunicação e de 
transportes, assim como as demais características da vida urbana, são elementos necessários para a produção industrial. 
Ao longo dos séculos XIX e XX, o crescimento das cidades e das qualidades do espaço urbano estiveram determinados pela fábrica 
industrial, por suas necessidades, ritmos e formas de organização social. Sem dúvida, hoje assistimos a um deslocamento 
da metrópole industrial para a metrópole biopolítica. E na economia biopolítica existe uma relação cada vez mais intensa e 
direta entre o processo de produção e o comum que constitui a cidade. Desde então, a cidade não é somente um habitat urbanizado 
feito de edifícios, ruas, subterrâneos, parques, sistemas de esgoto, e cabos de conexão, mas sim também uma  dinâmica viva 
de práticas culturais, circuitos intelectuais, redes afetivas e instituições sociais. Estes elementos do comum contidos 
nas cidades não somente são pré-requisitos da produção biopolítica, mas também são resultado; a cidade é a fonte do comum 
e o receptáculo por onde este flui. (...) Uma lente para reconhecer a riqueza comum da metrópole e os esforços para  privatiza-la 
proporciona a ela uma economia da propriedade imobiliária urbana, um campo que precisa uma urgentíssima desmistificação.” 
(HARDT e NEGRI, 2011, p.166)

Acreditando-se que há um imenso depósito de riqueza comum nas metrópoles atuais e que estas riquezas devem ser preservadas, as ações deste grupo tiveram início em fevereiro de 2013, com participação efetiva na teia formada ao redor do movimento Fica Ficus, que surgiu para lutar pela preservação da alameda de ficus numa região importante da cidade de Belo Horizonte. Desde então, muitas conexões entre o grupo de pesquisa e outros grupos e movimentos sociais aconteceram. Entre 2013 e 2015, com a intensificação dos movimentos multitudinários contra os processos de urbanização neoliberal no Brasil, constituiu-se uma rede de apoio mútuo que vem compartilhando experiências ativistas tanto da Região Metropolitana de Belo Horizonte, quanto movimentos de outras regiões do país e do mundo, como por exemplo, movimento Parque Augusta (São Paulo) ou militantes em defesa do Parque Gezi (Turquia).


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Neste processo, já em início de 2015, criou-se a Rede Verde, da qual o grupo Indisciplinar é um dos atores. A Rede Verde emerge em Belo Horizonte conectando movimentos como Salve a Mata do Planalto ou Criação do Parque Jardim América contra o Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELO) de Belo Horizonte, que propunha mudanças nas regras de ocupação das áreas verdes da cidade. De autoria da prefeitura, a proposta PELO nº 7/2014 permitiria a instalação de equipamentos públicos em praças, parques, reservas ecológicas e espaços tombados. A aprovação desta lei permitiria que se destruísse mais de 1 milhão de metros quadrados de áreas verdes urbanas. Observa-se a contradição de uma proposta desta quando assistimos à transferência cotidiana de lotes públicos para uma empresa criada pelo próprio Estado denominada PBH Ativos. Acredita-se que parques, praças, jardins, áreas de preservação ambiental são fundamentais para a qualidade ambiental nas metrópoles e garantem uma vida mais saudável para todos. Além disto, defende-se a importância da multiplicação destes locais coletivos nos quais os cidadãos possam viver parte das suas vidas em espaços de convívio que não sejam necessariamente shoppings, instituições privadas, condomínios fechados, dentre outros. Como parte desta rede, o grupo Indisciplinar atua auxiliando na organização de um conjunto de ações que possam qualificar o debate em defesa da produção do comum urbano, tanto no que diz respeito aos processos de produção biopolítica afetiva considerado por Hardt e Negri (2011) como “comum artificial”, quanto no que diz respeito à preservação e incentivo dos bens comuns com foco na natureza urbana, denominados pelos autores como “comum natural”.

1.1 - Conjuntura político-teórica

Dentro do contexto contemporâneo, apresenta-se uma questão que possui caráter de urgência: é preciso atuar contra-hegemonicamente à lógica de expropriação dos espaços verdes nas cidades. Desde 1972, quando data a Conferência de Estocolmo, o tema ambiental apresenta-se como urgente para se pensar o desenvolvimento urbano no âmbito mundial. Porém, visto as diferentes posições e os conflitos geopolíticos acerca do modelo de desenvolvimento a se adotar, no Brasil pouco se obteve de efetivo a partir de tal conferência. Segundo Monte-Mór (2008), o impacto real de uma consciência que dissolva a dicotomia campo/cidade sobre o ambiente construído nas aglomerações metropolitanas ainda deixa ainda muito a desejar. É bastante comum compreender as áreas urbanas como espaços mortos e ao mesmo tempo considera-se que é campo de estudo dos arquitetos, urbanistas, cientistas sociais e afins. Por outro lado, as áreas consideradas rurais seriam as regiões ameaçadas pelo desenvolvimento e, portanto, deveriam ser defendidas e preservadas, tornando-se área de pesquisa e prática dos ecologistas e ambientalistas. Esta dicotomia campo X cidade prejudica um avanço teórico e/ou prático nos modos de imaginar e propor cidades nas quais o território urbano, e seu ambiente construído, fosse também pensado dentro de uma lógica ambiental, não somente entendendo que é preciso mais árvores, praças e parques, mas sim, que todo o espaço poderia possuir uma rica biodiversidade entranhada e hibridada nos seus “concretos”. Acredita-se, portanto, que se fugirmos desta lógica dicotômica, poderíamos abrir um vasto campo para reverter a lógica da urbanização extensiva pela lógica da naturalização extensiva (MONTE-MÓR, 2008). A ideia de que a terra é ilimitada e que deve ser explorada para se fazer justiça social deve ser implodida tanto do ponto de vista científico quanto político. Recentes estudos demonstram que a condição de precariedade ambiental nas metrópoles (com a falta de água e o aumento da temperatura) tende a piorar e a alcançar índices desastrosos. Além da dicotomia clássica entre cidade e campo, dentro do próprio universo do urbanismo, também há uma outra frente dicotômica que prejudica o avanço de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida nas cidades. Esta outra dicotomia diz respeito às diferentes pautas básicas entre movimentos sociais, que defendem o desenvolvimento a todo custo dentro da lógica “tudo para todos”, e movimentos ambientalistas, que alertam “não há planeta B”, contra o projeto desenvolvimentista que vem destruindo o planeta. Hardt (2012), relatando criticamente sua participação na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Copenhague (2009), aponta para o problema desta dicotomia criada pelas diferenças entre as pautas e formas de ativismo dos movimentos ecológicos (em defesa do comum material/natural) e os movimentos anticapitalistas/antineoliberais (em defesa do comum relacionado aos trabalhos que envolvem a colaboração e a criatividade humana do capitalismo imaterial que produz conhecimentos, imagens, códigos, afetos, relacionamentos sociais, etc.):

“As diferenças políticas primárias entre os movimentos, a meu ver, como as antinomias que até certo ponto 
se sustentam por trás deles, decorrem do fato que eles focam em formas distintas do comum, formas que têm qualidades 
dissimilares. Por um lado, para os movimentos da mudança climática e ecológicos em geral, o comum se refere primariamente
 à Terra e seus ecossistemas, inclusive a atmosfera, oceanos, rios e florestas, bem como todas as formas de vida que interagem 
com eles. Movimentos sociais anticapitalistas, por outro lado, geralmente entendem o comum em termos de produtos do trabalho 
e criatividade humanos, que compartilhamos, tais como ideias, conhecimentos, imagens, códigos, afetos, relacionamentos sociais
 e coisas do tipo. Esses bens comuns estão se tornando cada vez mais centrais na produção capitalista — um fato que tem uma 
série de consequências importantes para os esforços de conservação ou reforma do sistema capitalista, assim como aos projetos 
de resistir a ele ou derrubá-lo. Como primeiras aproximações, se podem chamar esses dois campos de: comum ecológico e 
comum social/econômico; ou comum natural e artificial, — embora essas categorias rapidamente se mostrem insuficientes.”  
(HARDT, 2012)

Apesar (ou por causa) do avanço do capitalismo contemporâneo sobre os bens comuns da metrópole, aos poucos configuram-se novas lutas em defesa dos comuns urbanos, sejam eles artificiais ou naturais. Alertando contra o processo acelerado de degradação ambiental urbana, surgem e crescem movimentos pelo verde em todo mundo. Mas estes movimentos surgem atualmente como multitudinários, hibridando o discurso ambiental ao social já que, a cada dia, percebe-se com muita nitidez que o neoliberalismo atua nas metrópoles (e em todo território urbano, o que engloba também o campo) expropriando o comum. Não há mais como esconder que esta lógica de expropriação do comum está na base do Estado-capital Imperial e que esta dicotomia vem aos poucos perdendo o sentido, ou seja, os movimentos sociais, ambientais e também os culturais, sabem que é preciso somar as forças englobando a defesa de todos os comuns, tanto os naturais quanto os artificiais. É neste sentido que a luta biopolítica das resistências multitudinárias vem se tornando fortemente hibridada por diversos movimentos com pautas múltiplas demonstrando que a luta pela biodiversidade da natureza urbana envolve fortemente o desejo de manutenção e ampliação dos espaços de sociabilidade e encontro cidadão.

“Em todo o mundo, vide Parque Gezi (em Istanbul), Gamonal (na Espanha), Fica Ficus, Mata do Planalto, Parque Jardim América 
(em BH),  Parque Cocó (em Fortaleza), Ocupa Estelita (em Recife), ou Parque Augusta (em São Paulo), vemos surgir uma multidão 
de singularidades e grupos de ativistas, artísticos, de moradores locais e vizinhos, população de rua e comerciantes, universitários
e pesquisadores, todos interessados em recuperar o debate político sobre a cidade e a construção, com ação direta, do ambiente que 
pertence às suas vidas cotidianas. Pra falar do óbvio, a democracia representativa já não mais representa o cidadão comum e vem 
deixando de lado os interesses de todos para garantir o interesse do mercado que financia o Estado e suas campanhas políticas 
que garantem a permanência de grupos no poder. Contudo, a sociedade se rebela, e faz isto atualmente, em grande parte, resistindo 
coletivamente por meio de redes conectadas  globalmente, nacionalmente e localmente. O espírito imanente da multidão (conceito 
negriano que não é povo-estado, nem massa-mercado)  encara o Império de frente e exige democracia real e o direito de ter os seus
bens comuns administrados autônoma e coletivamente. Estas novas organizações ativistas trazem a frescura da coleção subjetiva das 
diferenças e a pauta ampliada para além do direito ao verde urbano. O mais interessante é que estes movimentos são horizontais, 
sem lideranças definidas, e possuem uma dinâmica de articulação, que, por ser rizomática, é impossível de ser cooptada.  Vemos o
Estado-capital na tentativa desesperada de se aproximar destes movimentos para capturar a sua dinâmica de máquina de
guerra que tanto incomoda o Aparelho de Estado (pra usar  termos bem deleuzeanos). A autonomia e a autogestão é tudo
o que o Estado-capital não pode suportar.” 
(RENA, 2014)

Assim, dentro deste ambiente teórico e prático que envolve a preservação e a produção do comum, como um todo, que surge o projeto Natureza Urbana.

2. OBJETIVOS

Toda produção do conhecimento das pesquisas extensionistas do grupo Indisciplinar têm como objetivo principal gerar tecnologia social. Neste sentido, os processos de investigação partem do encontro cotidiano entre universidade, movimentos sociais, culturais e ambientais envolvidos nas lutas territoriais e desdobram-se em múltiplos campos de ação compartilhados em rede: participação em reuniões, representações em Ministério Público, qualificação do debate para audiências públicas, produção de monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado, TCCs, projetos de pesquisa e extensão, disciplinas que participam do cruzamento destes projetos com os movimentos, produção de artigos científicos, eventos e ocupações culturais. O grupo vem atuando tecnopoliticamente também no design, no desenvolvimento e na manutenção de wikis, blogs, fanpages, mapas georreferenciados, projetos gráficos, infográficos, fanzines, cartilhas, dentre outros. Portanto, o objetivo geral do grupo de pesquisa Indisciplinar é realizar ações que buscam criar, experimentar e aplicar processos que democratizem e sensibilizem a informação e qualifiquem as lutas pelo comum. Assume-se uma posição política na qual a produção de conhecimento e o ativismo se sobrepõem ao cotidiano acadêmico e das lutas gerando uma metodologia sistêmica de trabalho que busca atuar de forma tecnopolítica contra o urbanismo neoliberal.

3. METODOLOGIA

A metodologia de ação do projeto Natureza Urbana parte sempre da participação do grupo de pesquisa nas dinâmicas políticas, sociais e espaciais vigentes. Ao longo dos últimos 4 anos, muitas ações extensionistas foram realizadas junto a movimentos ambientais, sociais e culturais envolvendo apoio tecnopolítico como: construção de fanpages, manifestos, mapas georreferenciados, atos festivos, cartografias coletivas, preparação de apresentações para audiências públicas, documentação para representações realizadas no Ministério Público, etc.

3.1 - Copesquisa Cartográfica

Acredita-se ser possível utilizar o método cartográfico através da produção de cartografias emergentes enquanto ação de investigação engajada (mas não ideológica), ou seja, enquanto copesquisa militante (mas não partidária). Segundo Bruno Cava (2012), copesquisa não separa teoria da prática e agencia atravessamentos de múltiplas ordens. Não dissocia sujeito de objeto e se faz de maneira aberta a mudanças de perspectiva, possuindo uma tendência política na qual a produção de conhecimento e o ativismo se sobrepõem. Pretende-se, com este método (ou anti-método), investigar a composição política dos sujeitos e seus modos de auto-organização. Já a cartografia passa pelo conceito de rizoma em Deleuze e Guattari (1995) e nos aproxima de processos cartográficos nos quais predominam características do rizoma enquanto potências em fluxo que se encontram, conectando mundos e modos de vida.

“Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo.
A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizom
 tem como tecido a conjunção “e...e...e...”. Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser.
[...] mover-se entre as coisas, instaurar uma lógica do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular fim e começo.
[...] É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa
uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal
que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no mei.” 
(Deleuze e Guattari, 1995, p. 48-49).

O rizoma é o processo de conhecimento da realidade sob forma não arborescente ⎯ busca das raízes profundas que fundamentam os fatos. O rizoma, ao contrário da árvore, dá-se desordenadamente, faz-se num crescimento horizontal e na superfície, proporcionando uma entrada na realidade, sem portas preestabelecidas. O rizoma não admite normas regulares e desenvolve-se de nó a nó, de tema a tema, de conceito a conceito, aleatoriamente. Traçar um percurso rizomático seria estar sempre entre e, assim, destituir o fundamento, a ontologia, anular o começo e o fim, desenvolver pensamentos como ervas na superfície, livres, adquirindo velocidade, conformando espaços lisos, não arborescentes. A crítica ao transcendente ou ao invisível e ontológico, criada através do rizoma, é uma construção que combate o pensamento ocidental hierarquizado, com base na representação do mundo , e que separa o mundo real do mundo ideal ou representado e abstrato-arborizado. Segundo Deleuze e Guattari, a árvore dominou a realidade no ocidente “e todo o pensamento ocidental, da botânica à anatomia, mas também a gnesiologia, a teologia, toda a filosofia... o fundamento raiz, ground, roots e fundations” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 29).

“Ser rizomorfo é produzir hastes e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda, que se conectam com elas
penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e estranhos usos. Estamos cansados da árvore. Não devemos
mais acreditar em árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda cultura arborescente é fundada sobre elas, da biologia
à lingüística. [...] O pensamento não é arborescente, e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. [...] Muitas pessoas
têm uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore.”
(DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.25).