Momentos e instantes

De Indisciplinar
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Como vimos em “Crítica da Vida Cotidiana”, Lefebvre (2002) desenvolve a Teoria dos Momentos. Esta teoria possui a mesma base de entendimento da teoria da construção de situações da Internacional Situacionista (LEFEBVRE, 1997). A Teoria dos Momentos tende a revalorizar o descontínuo, capturando-o no tecido mesmo do “vivido”, sobre a trama de continuidade que ele pressupõe. Lefebvre (2002, p.340) nos chama atenção para a repetição cotidiana: ciclos, ritmos, etc., que trazem a noção de movimento. Este movimento pode ser contínuo ou descontínuo. Os ritmos e os ciclos frequentemente são interrompidos, criando-se uma outra percepção de movimento. Lefebvre fala da repetição de instantes como uma percepção transitória do vivido.

Lefebvre nos apresenta a teoria do momento com um diagrama de percepção: (expressão + significado = direção). Algo que é expressivo somado a uma significação, aponta para uma direção, algo que é percebido no presente com potencial futuro. O momento é uma forma elevada de repetição, renovação e reaparecimentos, e de reconhecimentos de algumas relações determinadas com outros indivíduos. Esta forma privilegiada de repetição, se comparada a formas materiais como objetos do dia-a-dia, seria meramente uma sucessão de instantes, gestos e comportamentos que reaparecem após serem interrompidos ou suspensos (LEFEBVRE, 2002, p.344).

A Teoria dos Momentos de Lefebvre tende a revalorizar o descontínuo. Desta forma, o que era vivido em partes é destacado a partir de uma continuidade pré-suposta. Momento e instante, apesar de serem percebidos como sinônimos, são distintos para Lefebvre (2002, p.243). O momento implica uma duração, um período de tempo com um certo valor agregado que permanece na memória. Um momento tem sua memória. Os momentos não são instantes quaisquer: efêmeros e passageiros. Ele se destaca na continuidade do que é transitório. Ele nasce no cotidiano mas não surge gratuitamente em qualquer situação ou instante. O momento é uma festa individual livremente celebrada, uma festa que se une à vida cotidiana. Lefebvre nos fala do amor e do jogo, ou até mesmo do trabalho, como exemplos de momentos que permanecem e duram, tendem a um continuum, possuem memória e fazem do cotidiano uma verdadeira festa. A festa por sua vez, segundo Lefebvre, é quando o terreno morno e macio do cotidiano é rompido. 

A Teoria da Construção de Situações da Internacional Situacionista (IS) parte de uma base comum e vai além da Teoria dos Momentos de Lefebvre (LEFEBVRE, 1997). A IS buscava criar momentos novos, enquanto Lefebvre analisava tudo o que ocorreu ao curso da história. A IS propunha uma ruptura radical e a substituição destes momentos por outros, daí a estratégia de se construir situações. “O ato livre se define pela capacidade […] de mudar de “momento” numa metamorfose, e talvez de criá-lo.” (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 1960, p.121) O momento é sobretudo temporal, faz parte de uma zona de temporalidade, algo já ocorrido. A situação é espaciotemporal, uma construção de algo ainda a ocorrer que pode se transformar em novos momentos. 

  • “A situação construída está portanto na perspectiva do momento Lefebvriano, contra o instante, mas num nível intermediário entre instante e momento. Assim, embora possa ser repetida em certa medida (como direção, sentido), não pode em si mesma ser repetida como o momento. […] A situação, como momento criado, organizado, inclui instantes perecíveis - efêmeros únicos. Ela é uma organização de conjunto que dirige (favorece) tais instantes casuais.” (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 1960, p.121)

O momento não aparece simplesmente em qualquer lugar a qualquer instante. Daí a diferença entre momentos de Lefebvre (2002, p. 356) e a situação construída. Um momento tem seus motivos e sem motivos ele não intervém no cotidiano. Um festival só faz sentido quando é brilhante e interrompe a monotonia do dia-a-dia.

Se aplicarmos a Teoria dos Momentos de Lefebvre à idéia de um designer de sistema proposto por Pask (1969), percebemos que podemos intervir nos instantes dos sistemas, fazer design de sistemas para instantes, mas não podemos intervir em momentos. Aqui, chegamos ao limite do que sugerimos como design possível no escopo deste trabalho. Ou seja, podemos operacionalizar instantes, apenas. Se operacionalizamos momentos, estaremos suprimindo toda e qualquer complexidade da natureza humana numa simplificação puramente espetacular.

Referências

LEFEBVRE, Henri. Critique de la vie quotidienne. 3 vol. Paris: L'Arche, 1961  LEFEBVRE, Henri. Henri Lefebvre on the Situationist International. Interview conducted and translated 1983 by Kristin Ross. Published in October 79, Winter 97. Cambridge, MIT Press, 1997. LEFEBVRE, Henri. Writings on Cities. London: Blackwell Publishers Ltd, 1996.