Mudanças entre as edições de "Cidade instantânea"

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Edição atual tal como às 05h21min de 30 de janeiro de 2015

A pesquisa desenvolvida e apresentada neste trabalho sugere a hipótese de uma Cidade Instantânea identificada no cotidiano em situações condicionadas por tecnologias de comunicação e informação, e especialmente a computação ubíqua[1], também conhecida como computação pervasiva ou computação ambiente. A comunicação individual móvel/portátil - telefones celulares - é uma das formas mais pervasivas de comunicação que já vivenciamos. Ela leva a computação literalmente para o bolso do indivíduo que a carrega consigo para qualquer lugar - espaço e tempo - podendo acessar ou manter um estado de comunicação/conexão permanente[2] entre indivíduos e coisas. Esta tecnologia móvel é um dos meios de percepção mais evidentes da Cidade Instantânea no cotidiano vivido sendo assimilado pela sociedade urbana numa velocidade e proporção nunca visto antes[3]. Nos últimos 8 anos, a assimilação e a democratização do acesso à esta tecnologia foi significativamente maior do que a do automóvel, por exemplo. Apensar do grande aumento de vendas de veículos com o aquecimento da economia brasileira, em 2012 o Brasil alcançou a proporção de 1 carro para cada 5 habitantes[4] ao passo que o número de linhas de telefones móveis habilitados já superou a população brasileira em 1,3 habilitações por habitante no mesmo ano. É notável e considerável a forte adoção do Brasil às novas tecnologias de comunicação. Segundo o Ministério das Comunicações, em 2012 o Brasil chegou a ter um computador para cada 2 habitantes alcançando 51% da população e colocando o país acima da média mundial que é 41%[5]. O acesso à internet de banda larga no país triplicou entre 2010 e 2012 impulsionado pelo Programa Nacional de Banda Larga quando os acessos passaram de 27 milhões para 70 milhões[6].

A computação ubíqua tem se intensificado e se tornado cada vez mais presente no cotidiano urbano por meio da Internet das Coisas[7]. Não apenas indivíduos estão intensamente conectados entre si mas também as coisas: objetos, veículos, produtos de consumo, alimentos, etc. Na internet das coisas, para cada indivíduo ou coisa há uma representação eletrônica num sistema computacional que relaciona e agencia indivíduos e coisas existentes em tempo real. Esta presença possibilitada pela representação eletrônica cria uma realidade ampliada onde situações, soluções, encontros, etc. podem emergir em instantes numa velocidade inapreensível pelo ser humano e possível pela computação. 

Cidade é um termo frágil e um conceito em crise pois a algum tempo ela não é o suficiente para abarcar as dinâmicas políticas, sociais e econômicas do mundo globalizado e cada vez mais urbano. Metrópoles, megacidades, regiões metropolitanas, redes de cidades, cidades globais, etc. entre outros termos estão na tentativa de caracterizar os aglomerados urbanos do planeta. Então porque uma Cidade Instantânea ao invés de uma Arquitetura Instantânea ou um Design Instantâneo? Primeiro porque nossa noção de cidade não compartilha desta crise. A idéia de cidade que nos interessa traz uma noção de arquitetura ou design ampliado que inclui suas formas, modalidades e estruturas indissociáveis de um sistema dinâmico: movimento constante e tempo onde o que importa é o funcionamento da coisa e não a coisa em si. No nosso entendimento os edifícios, a infraestrutura urbana, os objetos, são coisas que condicionam, assim como a tecnologia. A Cidade Instantânea é a coisa funcionando: movimento, evento, encontro, momento; o cotidiano vivido. A pesquisa feita indica uma tendência de se pensar a cidade como uma espécie de arquitetura da arquitetura, uma solução a nível de metadesign[8] que agencia indivíduos e coisas: edifícios, infraestrutura pública, sistemas de transporte, consumo, etc. Um dos indicadores mais sintomáticos desta tendência é o foco de grandes empresas de tecnologia como a CISCO e a IBM que tem a cidade como foco de desenvolvimento tecnológico e soluções. Recentemente temos visto também a indústria automobilística se voltando para a cidade indicando uma mudança estrutural no foco de investimentos e desenvolvimento tecnológico de um agente que modelou intensivamente as cidades no século XX.

A Cidade Instantânea considera e se aproxima da noção de Arquitetura Móvel[9] desenvolvida por Vassão (2002) que introduz uma modalidade de projeto feito na coletividade buscando uma urbanidade dinâmica e fluída numa arquitetura que não se limita à edificação e à sua inserção urbana. A idéia de Arquitetura Móvel de Vassão (2002, p.9) revela que o indivíduo, um coletivo ou o agenciamento destes é quem torna a arquitetura móvel pelo uso e não pela sua origem ou projeto. Vassão nos mostra vários exemplos de Arquitetura Móvel, de origem nômade que foram apropriados num modo de uso sedentário. A Cidade Instantânea soma-se às formas sedentárias da cidade existentes inserindo uma prática nômade. Mas é importante relatar que mesmo inserindo práticas nômades nas formas existentes, estas são temporárias e instantâneas revelando a emergência de uma dinâmica que ainda não é nômade (VASSÃO, 2002, p.219). A Cidade Instantânea não procura uma modalidade nova de projeto e não busca uma outra arquitetura. Ela se molda e se confunde às formas arquitetônicas existentes revelando entretanto e fundamentalmente um design do modo de uso, um design da prática cotidiana urbana. 

A investigação que fizemos aponta para o entendimento de uma Cidade Instantânea que se apresenta como um coletivo sem escala, sem localização e com fronteiras e limites extremamente frágeis, fluidos e temporários. A Cidade Instantânea se infiltra em todas as formas de cidades existentes sem anulá-las; substituí-las. Apesar da sua escala indefinida, ela se derrama pela superfície planetária por meio de seus campos de presença[10]. Mesmo que tome uma escala planetária, sugerindo uma globalidade, a Cidade Instantânea não se confunde com a Cidade Global ou qualquer outra rede econômica e política mundial. A Cidade Instantânea tem suas conexões baseadas em redes de coletividade vivida, experiência prática e cotidiano que se relaciona indiretamente com as questões políticas e econômicas. É importante considerar que as questões políticas e econômicas podem influenciar a Cidade Instantânea bem como dela pode-se emergir intervenções na política e na economia. A Cidade Global trabalha objetivos, acordos, controle e tem uma dimensão relativamente bem definida. A Cidade Instantânea não tem um objetivo traçado, ela é pura subjetividade que ganha força e presença nas multidões de indivíduos conectados. Estas multidões se conectam em instantes de modo imprevisível e a duração desta conexão pode ser de segundos a horas, dias ou anos. Este movimento aleatório de multidões conhecido como swarming[11] é uma das características desta Cidade Instantânea que surge e se desfaz, aumenta e diminui, cresce e encolhe, se divide e se une, etc. Outra característica da Cidade Instantânea é que ela é essencialmente condicionada pelas Tecnologias do Encontro, isto a distingue das demais modalidades de cidade e a inclui enquanto realidade prático-sensível simultânea às demais modalidades. 

O trabalho indica que a Cidade Instantânea só é possível por meio de um design que é individual e coletivo simultaneamente - individualmente coletivo. Um design que está pronto para responder instantaneamente à necessidades imprevisíveis de um indivíduo e se ajustar imediatamente às necessidades de um coletivo. O design do instantâneo é ajustável em tempo real à rotina de um indivíduo sem perder a conexão com a coletividade. O agenciamento instantâneo dos espaços coletivos, compartilhados e de interesse comum intervém nas infraestruturas existentes (re)programando instantaneamente eventos nos espaços coletivos. A Cidade Instantânea se soma às múltiplas camadas de infraestrutura e sistema urbanos consolidados. 

Notas e referências

  1. A computação ubíqua é um modelo pós desktop de interação homem-máquina (Human Computer Interaction). O desktop, ou o computador pessoal foi um modelo de interação homem-máquina que revolucionou a computação distribuindo esta tecnologia de forma ampla. A computação ubíqua entende a interação homem-máquina em um nível mais sutil, integrado às nossas atividades do dia a dia como um plano de fundo do nosso cotidiano onde o uso das ferramentas e recursos computacionais é possível com o mínimo de consciência do processo em si. Ou seja, os processos computacionais integrados aos nossos gestos, rotinas e práticas do dia a dia ocorrem apesar da nossa consciência.
  2. Esta comunicação ininterrupta é virtualmente infinita, ou seja, não há limite para o número de indivíduos e coisas para se estar em comunicação permanente. Virtualmente com um celular conectado à internet, posso estar em um servidor de bate papo on-line alcançável por um número ilimitado de contatos. O Facebook é um exemplo disso, a qualquer momento, lugar, hora, posso iniciar ou continuar uma conversa com um dos meus contatos. A quantidade de contatos que posso ter na minha conta é ilimitada. Assim como posso estar em comunicação constante com indivíduos pelo Facebook, posso também estar em comunicação constante com coisas tais como sensores de sistemas de monitoramento e segurança, sistemas de automação do edifício, sistemas de agenciamento de tráfego, sistemas sencientes de inteligência artificial, etc. 
  3. Segundo dados disponibilizados pela ANATEL, em agosto de 2012 o Brasil alcançou um total de mais de 257 milhões de acessos na telefonia móvel pós e pré pago. Em janeiro de 2004 este número era pouco mais de 43 milhões de acessos. Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/SMP/Administracao/Consulta/AcessosPrePosUF/tela.asp> Acesso em: 17 de nov. de 2012.
  4. País tem 1 carro para cada 5 habitantes. O Estado de São Paulo. Economia e Negócios. 14 de abril de 2012. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,pais-tem-1-carro-para-cada-5-habitantes,109273,0.htm> Aecesso em: 2 de jan. de 2013.
  5. Média de computadores por habitantes no Brasil ultrapassa número mundial. Ministério das Comunicações. 18 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.conexaominicom.mc.gov.br/noticias/849-media-de-computadores-por-habitantes-no-brasil-ultrapassa-numero-mundial> Acesso em: 2 de jan. de 2013.
  6. Programa Nacional de Banda Larga comemora dois anos e aponta mercado em crescimento. Portal Brasil. Notícias. 14 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/05/14/programa-nacional-de-banda-larga-comemora-dois-anos-e-aponta-mercado-em-crescimento> Acesso em: 2 de jan. de 2013.
  7. Internet das Coisas - IoT (Internet of Things) é um termo comumente utilizado nos estudos de computação ubíqua como forma de compreensão do registro eletrônico e monitoramento em tempo real de objetos no espaço. A Internet das Coisas é vista como uma camada de conexão digital sobre coisas e infraestrutura existentes. Na prática, cada objeto recebe um código eletrônico que é lido por uma rede de sensores gerando uma representação eletrônica deste objeto em um sistema de computador. A internet das coisas atualmente se apoia em duas tecnologias: rede de sensores sem fio (WSN - Wireless Sensor Networks) e identificação por radio freqüência - RFID (Radio Frequency Identification). Cada objeto recebe uma RFID, na maioria das vezes uma etiqueta adesiva, que pode ser lida por uma rede de sensores espalhadas no ambiente urbano. Desta forma, pode-se identificar a presença temporária de um objeto numa localização específica. As etiquetas de RFID são compostas por um chip microprocessador e uma antena que pode ser incorporada a diversas superfícies e compostos. Chips de RFID tem sido implantados em seres humanos com finalidades médicas, mas os desdobramentos deste experimento tem gerado polêmica e muita discussão principalmente em torno das questões que afetam os direitos humanos. A Internet das Coisas converge o desenvolvimento de infraestrutura, serviços, aplicações e ferramentas de governança. A Internet das Coisas é algo que tem sido construído aos poucos, tanto no campo dos recursos tecnológicos quanto nas discussões que afetam o ser humano. Disponível em: <http://www.theinternetofthings.eu/what-is-the-internet-of-things> Acesso em: 16 de dez. 2012.
  8. Metadesign é entendido aqui como o processo de projeto do próprio processo de projeto (VASSÃO, 2010, p.18) sendo um instrumento que procura apreender o que é complexo tornando-o num conjunto de objetos simples de fácil compreensão (VASSÃO, 2010, p.15). Caio Vassão considerando a cidade como uma “entidade complexa”, apresenta uma possibilidade de projeto denominada “Arquitetura Livre” que se apropria do “Metadesign” como ferramenta. Vassão elenca os principais critérios conceituais e operacionais para o “Metadesign” (VASSÃO, 2008, p.302), dentre eles, destaca-se a consideração de que pode-se projetar não apenas pelo traço e pela definição geométrica, mas pela definição e adoção de procedimentos, que tanto realizam espaços quanto o traço ou a edificação. A operacionalização do Metadesign considera níveis de abstração que trabalha escalas de complexidade, cibernética, ontologia e ecologia. Ver “Abstração” (VASSÃO, 2010, pp.24-44).
  9. Caio Vassão (2002) nos apresenta uma noção de arquitetura móvel de cultura nômade. Apesar de suas características móveis, a arquitetura pode ter um uso sedentário. "Uma arquitetura móvel sedentária pode tornar-se nômade, e vice-versa, o ser que dela participa dita tal passagem, assim como o agenciamento social do qual faz parte. A proposição “nômade” foi absorvida pela lógica da cidade sedentária e, ainda, como a presença da arquitetura móvel de origem nômade (moderna ou tradicional) potencialmente influencia a cidade a um incremento de velocidades e deslocamentos." (VASSÃO, 2002, p.9)
  10. campos de presença é um conceito de William Mitchell (2003) abordado no capítulo ,; item 1.5. Cidade e no capítulo 2, item 2.1.2. Campos de presença.
  11. Swarming é um termo em inglês utilizado para descrever o comportamento de grupos: enxames, formigueiros, cardumes, bandos, entre outros coletivos de insetos e animais encontrados na natureza. O estudo do comportamento swarm em organismos vivos busca inspiração biológica com aplicabilidade em projetos de inteligência artificial, teoria do controle e robótica. O SWARMS, por exemplo, é um projeto comum da Universidade da Pensilvânia, Yale, MIT, UC Berkey, UC Santa Bárbara e Amy Institute of Collaborative Biotechnology que busca respostas e soluções na ciência dos swarms. Um dos projetos do SWARMS busca desenvolver um comportamento para uma grande quantidade de veículos automotores que respondem às diferentes demandas num nível de organização e controle altamente satisfatório. O grupo SWARMS suporta um banco de dados para desenvolvedores de redes artificiais interessados em modelos biológicos.  Disponível em: <http://www.swarms.org> Acesso em: 16 de dez. de 2012.