Mudanças entre as edições de "Cidade instantânea"

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Edição das 14h13min de 18 de dezembro de 2014

A pesquisa desenvolvida e apresentada neste trabalho sugere a hipótese de uma Cidade Instantânea identificada no cotidiano em situações condicionadas por tecnologias de comunicação e informação, e especialmente a computação ubíqua [1], também conhecida como computação pervasiva ou computação ambiente. A comunicação individual móvel/portátil - telefones celulares - é uma das formas mais pervasivas de comunicação que já vivenciamos. Ela leva a computação literalmente para o bolso do indivíduo que a carrega consigo para qualquer lugar - espaço e tempo - podendo acessar ou manter um estado de comunicação/conexão permanente entre indivíduos e coisas. Esta tecnologia móvel é um dos meios de percepção mais evidentes da Cidade Instantânea no cotidiano vivido sendo assimilado pela sociedade urbana numa velocidade e proporção nunca visto antes. Nos últimos 8 anos, a assimilação e a democratização do acesso à esta tecnologia foi significativamente maior do que a do automóvel, por exemplo. Apensar do grande aumento de vendas de veículos com o aquecimento da economia brasileira, em 2012 o Brasil alcançou a proporção de 1 carro para cada 5 habitantes ao passo que o número de linhas de telefones móveis habilitados já superou a população brasileira em 1,3 habilitações por habitante no mesmo ano. É notável e considerável a forte adoção do Brasil às novas tecnologias de comunicação. Segundo o Ministério das Comunicações, em 2012 o Brasil chegou a ter um computador para cada 2 habitantes alcançando 51% da população e colocando o país acima da média mundial que é 41%. O acesso à internet de banda larga no país triplicou entre 2010 e 2012 impulsionado pelo Programa Nacional de Banda Larga quando os acessos passaram de 27 milhões para 70 milhões.

A computação ubíqua tem se intensificado e se tornado cada vez mais presente no cotidiano urbano por meio da Internet das Coisas. Não apenas indivíduos estão intensamente conectados entre si mas também as coisas: objetos, veículos, produtos de consumo, alimentos, etc. Na internet das coisas, para cada indivíduo ou coisa há uma representação eletrônica num sistema computacional que relaciona e agencia indivíduos e coisas existentes em tempo real. Esta presença possibilitada pela representação eletrônica cria uma realidade ampliada onde situações, soluções, encontros, etc. podem emergir em instantes numa velocidade inapreensível pelo ser humano e possível pela computação. 

Cidade é um termo frágil e um conceito em crise pois a algum tempo ela não é o suficiente para abarcar as dinâmicas políticas, sociais e econômicas do mundo globalizado e cada vez mais urbano. Metrópoles, megacidades, regiões metropolitanas, redes de cidades, cidades globais, etc. entre outros termos estão na tentativa de caracterizar os aglomerados urbanos do planeta. Então porque uma Cidade Instantânea ao invés de uma Arquitetura Instantânea ou um Design Instantâneo? Primeiro porque nossa noção de cidade não compartilha desta crise. A idéia de cidade que nos interessa traz uma noção de arquitetura ou design ampliado que inclui suas formas, modalidades e estruturas indissociáveis de um sistema dinâmico: movimento constante e tempo onde o que importa é o funcionamento da coisa e não a coisa em si. No nosso entendimento os edifícios, a infraestrutura urbana, os objetos, são coisas que condicionam, assim como a tecnologia. A Cidade Instantânea é a coisa funcionando: movimento, evento, encontro, momento; o cotidiano vivido. A pesquisa feita indica uma tendência de se pensar a cidade como uma espécie de arquitetura da arquitetura, uma solução a nível de metadesign que agencia indivíduos e coisas: edifícios, infraestrutura pública, sistemas de transporte, consumo, etc. Um dos indicadores mais sintomáticos desta tendência é o foco de grandes empresas de tecnologia como a CISCO e a IBM que tem a cidade como foco de desenvolvimento tecnológico e soluções. Recentemente temos visto também a indústria automobilística se voltando para a cidade indicando uma mudança estrutural no foco de investimentos e desenvolvimento tecnológico de um agente que modelou intensivamente as cidades no século XX.

A Cidade Instantânea considera e se aproxima da noção de Arquitetura Móvel desenvolvida por Vassão (2002) que introduz uma modalidade de projeto feito na coletividade buscando uma urbanidade dinâmica e fluída numa arquitetura que não se limita à edificação e à sua inserção urbana. A idéia de Arquitetura Móvel de Vassão (2002, p.9) revela que o indivíduo, um coletivo ou o agenciamento destes é quem torna a arquitetura móvel pelo uso e não pela sua origem ou projeto. Vassão nos mostra vários exemplos de Arquitetura Móvel, de origem nômade que foram apropriados num modo de uso sedentário. A Cidade Instantânea soma-se às formas sedentárias da cidade existentes inserindo uma prática nômade. Mas é importante relatar que mesmo inserindo práticas nômades nas formas existentes, estas são temporárias e instantâneas revelando a emergência de uma dinâmica que ainda não é nômade (VASSÃO, 2002, p.219). A Cidade Instantânea não procura uma modalidade nova de projeto e não busca uma outra arquitetura. Ela se molda e se confunde às formas arquitetônicas existentes revelando entretanto e fundamentalmente um design do modo de uso, um design da prática cotidiana urbana. 

A investigação que fizemos aponta para o entendimento de uma Cidade Instantânea que se apresenta como um coletivo sem escala, sem localização e com fronteiras e limites extremamente frágeis, fluidos e temporários. A Cidade Instantânea se infiltra em todas as formas de cidades existentes sem anulá-las; substituí-las. Apesar da sua escala indefinida, ela se derrama pela superfície planetária por meio de seus campos de presença. Mesmo que tome uma escala planetária, sugerindo uma globalidade, a Cidade Instantânea não se confunde com a Cidade Global ou qualquer outra rede econômica e política mundial. A Cidade Instantânea tem suas conexões baseadas em redes de coletividade vivida, experiência prática e cotidiano que se relaciona indiretamente com as questões políticas e econômicas. É importante considerar que as questões políticas e econômicas podem influenciar a Cidade Instantânea bem como dela pode-se emergir intervenções na política e na economia. A Cidade Global trabalha objetivos, acordos, controle e tem uma dimensão relativamente bem definida. A Cidade Instantânea não tem um objetivo traçado, ela é pura subjetividade que ganha força e presença nas multidões de indivíduos conectados. Estas multidões se conectam em instantes de modo imprevisível e a duração desta conexão pode ser de segundos a horas, dias ou anos. Este movimento aleatório de multidões conhecido como swarming é uma das características desta Cidade Instantânea que surge e se desfaz, aumenta e diminui, cresce e encolhe, se divide e se une, etc. Outra característica da Cidade Instantânea é que ela é essencialmente condicionada pelas Tecnologias do Encontro, isto a distingue das demais modalidades de cidade e a inclui enquanto realidade prático-sensível simultânea às demais modalidades. 

O trabalho indica que a Cidade Instantânea só é possível por meio de um design que é individual e coletivo simultaneamente - individualmente coletivo. Um design que está pronto para responder instantaneamente à necessidades imprevisíveis de um indivíduo e se ajustar imediatamente às necessidades de um coletivo. O design do instantâneo é ajustável em tempo real à rotina de um indivíduo sem perder a conexão com a coletividade. O agenciamento instantâneo dos espaços coletivos, compartilhados e de interesse comum intervém nas infraestruturas existentes (re)programando instantaneamente eventos nos espaços coletivos. A Cidade Instantânea se soma às múltiplas camadas de infraestrutura e sistema urbanos consolidados. 

[1] A computação ubíqua é um modelo pós desktop de interação homem-máquina (Human Computer Interaction). O desktop, ou o computador pessoal foi um modelo de interação homem-máquina que revolucionou a computação distribuindo esta tecnologia de forma ampla. A computação ubíqua entende a interação homem-máquina em um nível mais sutil, integrado às nossas atividades do dia a dia como um plano de fundo do nosso cotidiano onde o uso das ferramentas e recursos computacionais é possível com o mínimo de consciência do processo em si. Ou seja, os processos computacionais integrados aos nossos gestos, rotinas e práticas do dia a dia ocorrem apesar da nossa consciência.